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O mundo é bom!

“O amor mora nos gestos; pequenos afetos; quem se distrai pode não ver, deixar passar; mas aí está; detalhes que as vezes os olhos não veem; há que se enxergar com a alma...”

Tirei esse trecho de um textinho que escrevi faz um tempo – e que não vou chamar de poema porque seria muita pretensão da minha parte. Ele fala sobre como a gente quase não para mais pra prestar atenção no mundo e nas pessoas e em nada além do que a gente esteja fazendo na hora.

E eu me lembrei dele porque outro dia vi uma coisa tão legal acontecendo, que achei que essa coisa merecia algum tipo de registro, pra não ficar assim meio perdida, meio esquecida, como se não tivesse muita importância.

Mas antes, só pra contextualizar: sabe quando a gente é pequena e passa o dia brincando na casa da amiguinha e na hora de ir embora ela te convida pra dormir? E aí você aceita porque tá legal e você não quer parar de brincar e aquela ideia é tipo, genial. Só que de repente você tá ali deitada naquele quarto estranho de olho aberto, enquanto a casa toda dorme... e tá meio escuro e solitário. E finalmente você percebe que aquela não foi uma ideia tão boa assim. E imediatamente vem uma sensação estranha de abandono, e você só quer sua casa e sua família.

A última vez que me senti assim faz pouco tempo. Estava no Rio com uns amigos. A gente tinha ido pra um show. Lá pelas tantas, quando saímos do show pra pegar um taxi e ir pro hotel, não tinha taxi – e nem Uber, porque nessa época ainda não existia Uber. Na verdade, preciso dizer que até tinha taxi, mas todos eles queriam fazer corrida pra Barra e a gente tava hospedado em Santa Tereza. Enfim. Não tinha como voltar. E aí a gente tava lá, no meio da madrugada, naquela rua escura, sem ter como sair dali, e eu só queria ligar pro meu pai - que tava em BH - e pedir pra ele ir me buscar e me levar pra casa.

Tudo isso pra contar sobre aquela coisa legal que eu disse lá no início que vi acontecendo e que queria registrar.

Pois bem. Dia desses eu tava numa fila esperando pra pagar e tinham três adolescentes conversando ali perto, na rua.

Certa hora uma das meninas disse: "Eu pensei que a gente ia almoçar na sua casa..."

E a outra respondeu: "Não. A gente não combinou nada. Não dá pra você almoçar lá."

E a primeira, meio desesperada: "Mas e agora? O que eu faço? Não tenho como ir pra casa, nem dinheiro pra almoçar!"

E então o menino que estava com as duas, tirou uma nota de vinte reais do bolso e timidamente entregou a ela: "Toma Isabela! Almoça aqui hoje."

E ela meio sem saber o que fazer: "Não... Imagina!"

O menino recuou, sem jeito.

E a amiga: "Aceita! Amanhã você devolve pra ele!"

Então ela pegou o dinheiro e guardou no bolso. Eles trocaram mais algumas palavras e enfim cada um saiu para um lado.

Fiquei pensando naquilo tudo.

Na amiga que deixou a Isabela na rua, sem ter como almoçar, nem voltar pra casa. Acho que a sensação ali era mais ou menos a mesma de quando a gente vai dormir fora e a amiguinha dorme primeiro e te deixa sozinha.

Por outro lado, aquele menino prontamente acolheu e ajudou. Ela não precisava mais se sentir meio abandonada na rua.

E por algum motivo o que ele fez me surpreendeu e me deixou feliz. Acho que pelo fato dele ser menino e ter uns treze anos. É que nessa idade os meninos só ficam perto dos meninos e as meninas só ficam perto das meninas e qualquer deslize que vá contra essa espécie de regra que eles mesmos criaram, é tipo bullying eterno.

E os três estavam lá, na porta da escola. Só que ele não fez o que todos fazem para se encaixar nesse padrão estranho de comportamento. Fez o que queria e achava certo.

Fiquei feliz porque pensei como, provavelmente, esse garoto vai se tornar um cara legal. E como a gente precisa de caras legais no mundo. Como a gente precisa de gente que não se encaixe nos padrões e não faça só o que os outros esperam.

Fiquei pensando como eu não tive um mino desses pra me dar a mão quando eu tava lá no Rio sem ter como voltar pra casa, e me falar: fica calma que a gente vai resolver!

Mas acontece que apesar de solitário - muitas vezes -, o mundo é bom, meus amigos! É bom, porque mesmo que vez ou outra as coisas não saiam exatamente como a gente quer, ou como pensamos que seria, a gente resolve. Com ou sem ajuda, a gente resolve.

Isabela é uma menina de sorte. Acho que eu também.

E pra terminar queria voltar no começo, naquele trecho do meu textinho que não é poema, e dizer como esse menino e a Isabela me fizeram pensar sobre afeto e gentileza e sobre como tem sim amor na rua. E sobre como a gente não enxerga essas coisas porque elas estão disfarçadas de coisas comuns e sem importância. Mas está lá pra gente enxergar. Com a alma. O amor. Mesmo que seja assim meio tímido, meio escondido pelas esquinas, quando quase ninguém está prestando atenção.


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